quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Você comprou seu ingresso?

Você comprou seu ingresso?

O show do palhaço
visto de fora
das grades
até
parece mesmo
um
circo
de
verdade.

Por Walber Dias
filme; Ninfomaniaca

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Kamila Iasmin

O poeta sabe de muitas coisas. Se você apertar uma campainha e sair correndo, a emoção maior não vai ser da pessoa atender o nada, mas você sair correndo com medo que ela te veja. Um bom exemplo. A mesma coisa é se você chamar um ônibus, amarrar o cadarço no degrau e depois agradecer pelo motorista ter parado. O frio na sua barriga não será por causa do cadarço amarrado, mas por ter feito o motorista de idiota. O poeta sabe de muitas coisas. Se não como faria todas as tuas prosas? Como ele saberia o que escrever em cada linha? Sabemos que horóscopo, se verdadeiro ou não, só é famoso porque as pessoas são suficientemente inseguras e sentem como se tivessem que ouvir alguém falando o que elas tem que fazer a cada dia. Uma palavra que você lê de um poeta, se você observar novamente, verá que há coisas escondidas entre uma letra e outra. O poeta sabe de muitas coisas. Mas deixo uma coisa bem clara: não sabemos de tudo. Assim como você, não sabemos o que fazer após o término de um beijo - por isso colocamos a dúvida na poesia. Não sabemos o que fazer quando não somos correspondidos e quando isso corrói nosso coração de uma forma que não podemos fazer nada que impeça. Os poetas sofrem de amor. Os poetas sorriem sozinhos no ônibus e são loucos. Não temos as respostas para todas as dúvidas. Não sabemos o que fazer quando temos que segurar o choro diante de uma situação. Somos poetas, somos pessoas normais. Também choramos, também amamos. Os olhares de pessoas nos fascinam de uma forma que não dá para explicar, nem mesmo na poesia. Os poetas se paralisam com o olhar de quem se apaixona. Não sabemos o que fazer quando tudo cai ao redor e as nossas mãos não se fortalecem. A única saída que temos é escrever: é isso que nos torna poetas.

Texto por Kamila Iasmin

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Por Janini Alba

Fumo na frente do espelho.
No banheiro. Acolhida, refugiada.
Escondida de outra normatividade.

Já foi feito? Me pergunto. Sei que sim.

Quem não se viu com o cigarro na mão? Estrutura pesada, difícil de ser pega.

Eu sou teimosa. Sou sim.
E não é medo, não. Não deles.
Dos outros? Que outros?
"Tu pensas demais", diz os desconhecidos. 
"Age banalmente", diz meus próximos. 
Junta os dois, então. 
Não dá. 
Lembra da imagem? Passa nada na cabeça mesmo. Tem miragem na frente.
Mosquito na tela da TV.
"Sai daí, espanta ele!"
Me espanta também, me bota pra longe.
Só não fuma na frente dos telespectadores. 
Sonha longe deles.
Mas, se me botar pra longe, fico onde?
Justamente. Onde?


Por Janini Alba


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Poema de Gabrielly Lessa

Nasci nu
Nu de corpo
De alma
De sentimentos
Tormentos
E lamentos.
Despida de todo e qualquer impedimento.
Despida de vergonha
De pudor
De toda sanidade
Da bobagem que pregam os puritanos de coração
Dos conceitos machistas de todos os irmãos.
Se eu quiser tirar a roupa?
Ah, meu bem
Eu vou tirar!
Vou ficar nua
Talvez corra pelada na rua
Vou dar!
E nem vem reclamar.
Se sua mãe
Tia
Prima
Vizinha
Quiserem tirar a roupa
Elas vão tirar!
Nascemos pra despir os corações
As razões
As incertezas
As opiniões que prendem
Que te jogam numa cadeia
Espiritual
Sentimental.
Nascemos pra viver nas noites boêmias
Nas festas de fins de semana
Nos bares vagabundos de esquina.
Nascemos pra chegar bêbadas em casa
Pra fazer escândalo na rua
Pra bater de frente com quem quiser impedir
É, meu bem
Devo repetir!
Viemos aqui pra despir!
Despir os que prezam pelos bons modos
Que agem pelos bons preceitos.
Os recatados de alma que me perdoem
Me perdoem pela nudez
Pela baixa qualidade de inspiração
Pela sacanagem
Pela apologia à poesia de quinta
Me perdoem por falar a verdade
Mas nasci na putaria
Nasci da putaria
Na hostilidade
Na mais pura insanidade.
Não vim aqui pra agradar gente frígida
Nem aceitar seus conselhos de merda.
Malditos tolos que não se libertam!
Que não tiram a roupa
Que não sentem prazer!
Sou vulgar demais?
Não.
Sou vadia demais?
Quem sabe...
Sou puta?
Ah, querido
Se ser puta é viver do modo que mais lhe agrada
Que te faz feliz
Satisfeita
Realizada
Então, puta eu vou ser
Pode me chamar de puta!
Sou puta com todo prazer.


Por Gabrielly Lessa

terça-feira, 26 de julho de 2016

Escrever para não enlouquecer

[...] Escrever é uma brincadeira bem engraçada. As rejeições ajudam porque fazem você escrever melhor; as aceitações ajudam porque fazem você continuar escrevendo. Daqui a 11 dias terei 43 anos de idade. Parece ser o.k. escrever poesia aos 23, mas, quando você está nessa aos 43, você precisa concluir que tem algo um pouquinho desvirtuado na sua cabeça - mas tudo o.k. - outro cigarro, outra bebida, outra mulher na sua cama, e as calçadas ainda estão lá e as minhocas e as moscas e o sol; e não é da conta de nenhuma outra pessoa quando um homem prefere perder tempo com um poema do que investir em imóveis, e onze poemas estão bons, fico contente que você tenha encontrado tantos. As cortinas se agitam como uma bandeira sobre o meu país, e a cerveja é grande.



Trecho de uma carta de Charles Bukowski para Marvin Malone, 5 de agosto de 1963. 
Esta carta pode ser encontrada no livro Escrever para não enlouquecer, Charles Bukowski.

sábado, 23 de julho de 2016

Olá - Charles Bukowski


olá

às vezes mesmo escrever não ajuda
e você fica sozinho com qualquer coisa que esteja
matando você
e a estupidez das
paredes penetra
em você
e lá no canto está a
garrafa -
sua última amiga, sua última amante,
seu outro teclado.
olá.


Por Charles Bukowski

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Por Janini Alba

01/05/16
"Eu lembro de uma noite parecida como essa. Estava tão frio e silencioso que dava para ouvir o vento soprando,as folhas não paravam um segundo sequer quietas. O gato do outro lado da rua, observando com o escuro que vinha atrás dele... e como era calma. Meus olhos se enchem de agonia com a vontade de pular a janela do quarto e ir andar tranquilamente com o vento batendo em minhas bochechas, lembrar que ainda estou viva e ao meu redor ocupo essa rua tão bonita (quando vazia). Essas anotações ou descrição não vão te fazer sentir como me sinto agora, queria que pudesse, mas essa vontade guardo só para mim. Eu sei, eu deveria ignorar tudo e ir, mas parece uma frase que não consigo completar, quando digo algo que mal tenho conhecimento, quando minto sem perceber, quando adio meus deveres. O céu está azul escuro, o gato já não está mais ali, já passam alguns carros e tudo volta a ser como foi denominado, o frio vai durar mais, as folhas vão secar e cair. Agora tudo é perfeito de ver, até a antena ou a caixa d'água em cima da casa da vizinha á frente, as muretas, o carro velho parado a uns nove meses, a pintura das casas mofadas e descascando, os fios do poste com rabiola e linha presa. Eu, apoiada na cabeceira da cama querendo apagar a luz da vela."

Por Janini Alba

terça-feira, 19 de julho de 2016

Textos Autobiográficos

Sentado ali, bebendo, considerei a opção do suicídio, mas me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo e minha existência, ambos eram propriedades minhas. Eu podia me levantar agora e sorrir com escárnio para meu reflexo no espelho da cômoda: se você tem que ir, que leve ao menos uns oito junto, uns dez, uns vinte...
Era uma noite de dezembro, um sábado. Estava no meu quarto e tinha bebido muito mais que o de costume, acendendo um cigarro no outro, pensando nas garotas e na cidade e nos empregos e nos anos que ainda viriam. Olhando para o devir, eu gostava muito pouco do que via. Eu não era um misantropo ou um misógino, mas gostava de estar sozinho. Era bom estar solitário num lugarzinho, sentado, fumando e bebendo. Sempre tinha sido uma boa companhia para mim mesmo.


Charles Bukowski no livro Misto-quente
Este trecho pode ser encontrado no livro Textos Autobiográficos.

sábado, 16 de julho de 2016

Poema Tiranias de Ruy Proença

Tiranias

antigamente
dizia: cuidado,
as paredes têm ouvidos

então
falávamos baixo
nos policiávamos

hoje
as coisas mudaram:
de nada
adianta
gritar.

Por Ruy Proença

segunda-feira, 11 de julho de 2016

O amor é fodido

As mulheres são todas diferentes. Os homens são todos iguais. Em termos de informação, os amigos são uma perda de tempo tão grande como as mulheres. Os amigos nada acrescentam ao que se sabe. Cada mulher faz questão de alterar o trabalho da mulher anterior. O nosso maior amigo não nos adianta nada. Mantém-nos exatamente no mesmo preconceito. Mudar de mulher é mudar de paradigma.

- Miguel Esteves Cardoso no livro O amor é fodido

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Poema de Charles Bukowski

Castanho-claro

um olhar castanho-claro

esse estúpido, vazio e maravilhoso
olhar castanho-claro.

darei um jeito
nele.

você não precisa mais
me enganar
com seus truques
de Cleópatra
de cinema

já se deu conta
de que se eu fosse uma calculadora
eu poderia entrar em pane
registrando
as infinitas vezes que você usou
esse olhar castanho-claro?

não que não seja o que há de melhor
esse seu olhar castanho-claro.

algum dia um filho-da-puta louco
irá matá-la

e então você gritará meu nome
e finalmente entenderá
o que já devia ter entendido

há muito
tempo.

Por Charles Bukowski

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Rebeldes & Malditos

Charles Bukowski no livro Mulheres 
[...]Será que eu deveria ter forçado a barra? Como saber o que fazer? Em geral, pensava eu, é melhor esperar, se você tem algum sentimento pela pessoa. Se você a detesta logo de cara, o melhor é já ir trepando; senão, era melhor esperar, depois trepar e deixar pra detestá-la mais tarde. [...]

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Poema de Nicolle Dias

Sinto sua falta

Antes era nós
Agora é somente eu,
Vivíamos sorrindo, felizes..
Hoje, seguindo, tentando seguir.

Costumávamos nos encontrar,
Nas estações de trens, em qualquer lugar
Sorrisos e lágrimas, mesmo assim éramos nós.

Te marquei em meu peito,
Você me marcou em sua pele..
Sexo,amor, só você soube me dar.

Implorar, pedir, sonhar
Querer você, ter você é demais pra mim?
Ou eu não seja a paz para você?
Me encontre no mesmo lugar, estarei lá.

Por Nicolle Dias

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Por Cecília Marazano

"Eu fico pensando em que ponto que a vida desanda. Em que ponto do caminho que a gente escolhe o que a gente tem em mãos no momento. Quando é que acontece esse momento que dita o que a gente vai viver lá na frente. Onde é que se perde o controle de tudo, e a vida não passa de um dia após o outro. Eu tenho medo disso. De apesar de estar dando os passos ‘certos’, num piscar de olhos me perguntar ‘o que eu tô fazendo aqui, que casa é essa, que vida é essa, que pessoas são essas ao meu redor?' ".

Por Cecília Marazano

domingo, 26 de junho de 2016

Conto de Charles Bukowski

A Mulher mais linda da cidade


"Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante. Espírito impaciente para romper o molde incapaz de rete-lo. Os cabelos pretos, longos e sedosos, ondulavam e balançavam ao andar. Sempre muito animada ou então deprimida, com Cass não havia esse negócio de meio-termo. Segundo alguns, era louca. Opiniões de apáticos. Que jamais poderiam compreendê- la . Para os homens, parecia apenas uma máquina de fazer sexo e poucos estavam ligando para a possibilidade de que fosse maluca. E passava a vida a dançar, a namorar e beijar. Mas, salvo raras exceções , na hora agá sempre encontrava forma de sumir e deixar todo mundo na mão. As irmãs a acusavam de desperdiçar sua beleza, de falta de tino; só que Cass não era boba e sabia muito bem o que queria : pintava, dançava, cantava, dedicava-se a trabalhos de argila e, quando alguém se feria , na carne ou no espírito, a pena que sentia era uma coisa vinda do fundo da alma. A mentalidade é que simplesmente destoava das demais: nada tinha de prática. Quando seus namorado ficavam atraídos por ela, as irmãs se enciumavam e se enfureciam, achando que não sabia aproveita- los como mereciam. Costumava mostrar-se boazinha com os feios e revoltava-se contra os considerados bonitos- "uns frouxos", dizia, " sem graça nenhuma. Pensam que basta ter orelhinhas perfeitas e nariz bem modelado..... Tudo por fora e nada por dentro.... " Quando perdia a paciência, chegava as raias da loucura; tinha um gênio que alguns qualificavam de insanidade mental. O pai havia morrido alcoólatra e a mãe fugira de casa, abandonando as filhas. As meninas procuraram um parente, que resolveu interná- las num convento. Experiência nada interessante, sobretudo para Cass. As colegas eram muito ciumentas e teve que brigar com a maioria. Trazia marcas de lâmina de gilete por todo o braço esquerdo, de tanto se defender durante suas brigas. Guardava, inclusive, uma cicatriz indelével na face esquerda, que em vez de empanar-lhe a beleza só servia para realça- la. Conheci Cass uma noite no West End Bar. Fazia vários dias que tinha saído do convento. Por ser a caçula entre as irmãs , fora a ultima a sair. Simplesmente entrou e sentou-se do meu lado. Eu era provavelmente o homem mais feio da cidade- o que bem pode ter contribuído. 
- Quer um drinque?- perguntei. 
-Claro por que não? 
Não creio que houvesse nada de especial na conversa que tivemos essa noite. Foi mais a impressão que causava. Tinha me escolhido e ponto final. Sem a menor coação . Gostou da bebida e tomou várias doses. Não parecia ser de maior idade, mas, não sei como, ninguém se recusava a servi- la. Talvez tivesse carteira de identidade falsa , sei lá. O certo é que toda vez que voltava do toalete para sentar do meu lado, me dava uma pontada de orgulho. Não só era a mulher mais linda da cidade como também das mais belas que vi em toda minha vida. Passei- lhe o braço pela cintura e dei- lhe um beijo. 
- Me acha bonita?- perguntou. 
- Lógico que acho, mas não é só isso.... é mais que uma simples questão de beleza... 
- As pessoas sempre me acusam de ser bonita. Acha mesmo que sou?
- Bonita não é bem o termo, e nem te faz justiça. 
Cass meteu a mão na bolsa. Julguei que estivesse procurando um lenço. Mas tirou um longo grampo de chapéu. Antes que pudesse impedir, já tinha espetado o tal grampo, de lado, na ponta do nariz. Senti asco e horror. Ela me olhou e riu. 
- E agora, ainda me acha bonita? O que é que você acha agora, cara? 
Puxei o grampo, estancando o sangue com o lenço que trazia no bolso. Diversas pessoas, inclusive o sujeito que atendia no balcão, tinha assistido a cena. Ele veio até a mesa: 
- Olha - disse para Cass,- se fizer isso de novo, vai ter que dar o fora. Aqui ninguém gosta de drama. 
- Ah vai te foder, cara! 
- É melhor não dar mais bebida pra ela- aconselhou o sujeito. 
- Não tem perigo- prometi - 
O nariz é meu - protestou Cass, - faço dele o que bem entendo. 
- Não faz, não - retruquei, - porque isso me dói. 
- Quer dizer que eu cravo o grampo no nariz e você é que sente dor? 
- Sinto , sim. Palavra 
- Está bem, pode deixar que eu não cravo mais. Fica sossegado. 
Me beijou ainda sorrindo e com o lenço encostado no nariz. Na hora de fechar o bar, fomos para onde eu morava. Tinha um pouco de cerveja na geladeira e ficamos lá sentados, conversando. E só então percebi que estava diante de uma criatura cheia de delicadeza e carinho. Que se traía sem se dar conta. Ao mesmo tempo que se encolhia numa mistura de insensatez e incoerência. Uma verdadeira preciosidade. Uma jóia, linda e espiritual. Talvez algum homem, uma coisa qualquer , um dia a destruísse para sempre. Fiquei torcendo para que não fosse eu. 
Deitamos na cama e , depois apaguei a luz, Cass perguntou: 
- Quando é que você quer transar? Agora ou amanhã de manhã? 
- Amanhã de manhã- respondi virando de costas para ela. 
No dia seguinte me levantei e fiz dois cafés. Levei o dela na cama. Deu uma risada. 
- Você é o primeiro homem que conheço que não quis transar de noite. 
- Deixa pra lá - retruquei, - a gente nem precisa disso. 
- Não, pera aí , agora me deu vontade. Espera um pouco que não demoro. 
Foi até o banheiro e voltou em seguida, com uma aparência simplesmente sensacional- os longos cabelos pretos brilhando, os olhos e a boca brilhando, aquilo brilhando.... Mostrava o corpo com calma, como a coisa boa que era. Meteu- se em baixo do lençol. 
- Vem de uma vez, gostosão. 
Deitei na cama. Beijava com entrega, mas sem se afobar. Passei- lhe as mãos pelo corpo todo, por entre os cabelos. Fui por cima. Era quente, apertada. Comecei a meter devagar, compassivamente, não querendo acabar logo. Os olhos dela encaravam, fixos os meus. 
- Qual é teu nome? - perguntei. 
- Porra, que diferença faz? - replicou. 
Ri e continuei metendo. Mais tarde se vestiu e levei-a de carro de novo para o bar. Mas não foi nada fácil esquecê-la. Eu não andava trabalhando e dormi até as 2 da tarde. Depois levantei e li o jornal. Estava sentado na banheira quando ela entrou com uma folhagem grande na mão - uma folha de inhame. 
- Sabia que ia te encontrar no banho- disse, - por isso trouxe isto aqui pra cobrir esse seu troço aí, seu nuclista. E atirou a folha de inhame dentro da banheira. 
- Como adivinhou que eu estava aqui? 
- Adivinhando, ora. 
Chegava quase sempre quando eu estava tomando banho. O horário podia variar, mas Cass raramente se enganava. E tinha todos os dias a folha de inhame. Depois a gente trepava. Houve uma ou duas noites em que telefonou e tive que ir pagar a fiança para livrá- la da detenção embriaguez ou desordem. 
- Esses filhos da puta- disse ela, - só porque pagam umas biritas pensam que são donos da gente. - Quem topa o convite já esta comprando barulho. 
- Imaginei que estivessem interessados em mim e não apenas no meu corpo. 
- Eu estou interessado em você e também no teu corpo. Mas duvido muito que a maioria não se contente com o corpo. 
Me ausentei seis meses da cidade, vagabundei um pouco e acabei voltando. Não esqueci Cass, mas a gente havia discutido por algum motivo qualquer e me deu vontade de zanzar por aí. Quando cheguei, supus que tivesse sumido, mas nem fazia meia hora que estava sentado no West End Bar quando entrou e veio sentar no meu lado. 
- Como é, seu sacana, pelo que vejo você já voltou. 
Pedi bebida pra ela. Depois olhei. Estava com um vestido de gola fechada. Cass jamais tinha andando com um traje desses. E logo abaixo de cada olheira, espetados, havia dois grampos com ponta de vidro. Só dava para ver as pontas, mas os grampos, virados para baixo, estavam enterrados na carne do rosto. 
- Porra, ainda não desistiu de estragar tua beleza? 
- Que nada seu bobo, agora é moda. 
- Pirou de vez. 
- Sabe que senti saudade? - comentou. 
- Não tem mais ninguém no pedaço? 
- Não , só você. Mas agora resolvi dar uma de puta. Cobro dez pratas. Pra você , porém é de graça. 
- Tira esses grampos daí. 
- Negativo. É moda. 
- Estão me deixando chateado. 
- Tem certeza? 
- Claro que tenho ,pô. Cass tirou os grampos devagar e guardou na bolsa. 
- Por que é que faz tanta questão de esculhambar o teu rosto? - perguntei. 
- Quando vai se conformar com a ideia de ser bonita.? 
- Quando as pessoas pararem de pensar que é a única coisa que eu sou. Beleza não vale nada e depois não dura. Você nem sabe a sorte que tem de ser feio. Assim quando alguém simpatiza contigo, já sabe que é por outra razão. 
- Então ta. Sorte minha né? 
- Não que você seja feio. Os outros é que acham. Até que a tua cara é bacana. 
- Muito obrigado. Tomamos outro drinque. 
- O que anda fazendo? - perguntou. 
- Nada. Não há jeito de me interessar por coisa alguma. Falta de animo. 
- Eu também. Se você fosse mulher, podia ser puta. 
- Acho que não ia gostar de um contato tão íntimo com tantos cara desconhecidos. Acaba enchendo. 
- Puro fato, acaba enchendo mesmo. Tudo acaba enchendo. 
Saímos juntos do bar. Na rua as pessoas ainda espantavam com Cass. Continuava linda talvez mais do que antes. Fomos para o meu endereço. Abri uma garrafa de vinho e ficamos batendo papo. Entre nós dois a conversa sempre fluía espontânea. Ela falava um pouco, eu prestava atenção, e depois chegava a minha vez. Nosso diálogo era assim, simples, sem esforço nenhum. Parecia que tínhamos segredos em comum. Quando se descobria um que valesse a pena, Cass dava aquela risada- da maneira que só ela sabia dar. Era como a alegria provocada por uma fogueira. Enquanto conversávamos, fomos nos beijando e aproximando cada vez mais. Ficamos com tesão e resolvemos ir para a cama. Foi então que Cass tirou o vestido de gola fechada e vi a horrenda cicatriz irregular no pescoço - grande e saliente. 
- Puta que pariu, criatura- exclamei, já deitado.- Puta que pariu. Como é que você foi me fazer uma coisa dessas? 
- Experimentei uma noite, com um caco de garrafa. Não gosta mais de mim? Deixei de ser bonita? 
Puxei- a para a cama e dei- lhe um beijo na boca. Me empurrou pra trás e riu. 
- Tem homens que me pagam as dez pratas, aí tiro a roupa e desistem de transar. E eu guardo o dinheiro para mim. É engraçadíssimo . 
- Se é - retruquei, - estou quase morrendo de tanto rir... Cass , sua cretina eu amo você... mas para com esse negócio de querer se destruir, você é a mulher mais cheia de vida que já encontrei. Beijamos de novo. Começou a chorar baixinho. Sentia - lhe as lágrimas no rosto. Aqueles longos cabelos pretos me cobriam as costas feito mortalha. Colamos os corpos e começamos a trepar, lenta, sombria e maravilhosamente bem. Na manha seguinte acordei com Cass já em pé, preparando o café. Dava a impressão de estar perfeitamente calma e feliz. Até cantarolava. Fiquei ali deitado, contente com a felicidade dela. Por fim veio até a cama e me sacudiu. 
- Levanta cafajeste! Joga um pouco de água fria nessa cara e nessa pica e venha participar da festa! 
Naquela dia convidei-a para ir á praia de carro. Como estávamos na metade da semana e o verão ainda não havia chegado, encontramos tudo maravilhosamente deserto. Ratos de praia, com a roupa em farrapos, dormiam espalhados pelo gramado longe da areia. Outros, sentados em bancos de pedra, dividiam uma garrafa de bebidas da tristonha. Gaivotas esvoaçavam no ar, descuidadas e no entanto aturdidas. Velhinhas de seus 70 ou 80 anos, lado a lado nos bancos, comentavam a venda de imóveis herdados de maridos mortos há muito tempo, vitimados pelo ritmo e estupidez da sobrevivência . Por causa de tudo isso, respirava- se uma atmosfera de paz e ficamos andando, para cima e para baixo, deitando e espreguiçando-nos na relva, sem falar quase nada. Com aquela sensação simplesmente gostosa de estar juntos. Comprei sanduíches, batatas frita e uns copos de bebida e nos deixamos ficar sentados, comendo na areia. Depois me abracei a Cass e dormimos encostados um no outro durante durante quase uma hora. Não sei por que , mas foi melhor do que se tivéssemos transado. Quando acordamos, voltamos de carro para onde eu morava e fiz o jantar. Jantamos e sugeri que fossemos para a cama. Cass hesitou um bocado de tempo, me olhando, e ai então respondeu, pensativa: 
- Não. Levei- a outra vez até o bar, paguei-lhe um drinque e vim- me embora . no dia seguinte encontrei serviço como empacotador numa fabrica e passei o resto da semana trabalhando. Andava cansado demais para cogitar de sair á noite, mas naquela sexta- feira acabei indo ao West End Bar. Sentei e esperei por Cass. Passaram- se horas. Depois que já estava bastante bêbado, o sujeito que atendia no balcão me disse: 
- Uma pena o que houve com sua amiga. 
- Pena por que? 
- Desculpe . Pensei que soubesse. 
- Não.
- Se suicidou. Foi enterrada ontem. 
- Enterrada? - repeti Estava com a sensação de que ela ia entrar a qualquer momento pela porta da rua . Como poderia estar morta? 
- Sim, pelas irmãs . 
- Se suicidou? Pode- se saber de que modo? 
- Cortou a garganta. 
- Ah! Me dá outra dose. 
Bebi até a hora de fechar. Cass a mais bela das 5 irmãs, a mais linda mulher da cidade. Consegui ir dirigindo até onde morava. Não parava de pensar. Deveria ter insistido para que ficasse comigo em vez de aceitar aquele "não". Todo o seu jeito era de quem gostava de mim. Eu é que simplesmente tinha bancado o durão, decerto por preguiça por ser desligado demais. Merecia a minha morte e a dela. Era um cão. Não, para que por a culpa nos cães? Levantei, encontrei uma garrafa de vinho e bebi quase inteira. Cass, a garota mais linda da cidade, morta aos vinte anos. Lá fora, na rua, alguém buzinou dentro de um carro. Uma buzina fortíssima, insistente. Bati a garrafa com força e gritei: 
- MERDA! PARA COM ISSO, SEU FILHO DA PUTA! 
A noite foi ficando cada vez mais escura e eu não podia mais fazer nada."



Por Charles Bukowski

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Poema de Johnattan Willian ( Arte do Nada )

Amorzinho

Eu tentei falar de amor
Mas me engasguei com whisky
Tentei escrever seu significado
Com fumaça
Talvez seja melhor eu
Lamber seu corpo
Até que você ame
Poemas não servem
Para falar de amor
Se você pensa no que escrever
Eu tentei falar de amor
Mas não quis interromper seus gemidos
Uma mosca só tem
A própria sujeira e
As asas para cortar a noite
Enquanto a morte não vem
E se você deixá-la fazer isto
Então você sabe
O que é
Amor.

Por Johnattan Willian ( Arte do Nada ) 

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Jean-Jacques Rousseau no livro O Contrato Social

Livro O contrato social
De fato, cada individuo pode, como homem, ter uma vontade particular contraria ou dessemelhante à vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse particular pode lhe falar de um modo bem diferente que o interesse comum.
- Jean-Jacques Rousseau

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Poema de Ana Cristina César

Soneto

Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar

E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida

Pergunto aqui meus senhores

quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno mor
Ou é um lapso sutil?



Por Ana Cristina César

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Fiódor Dostoiévski no livro Notas do Subsolo

"Estou incomodando todos vocês, arrebentando seus corações, não deixo ninguém dormir, sintam também minuto a minuto que meus dentes estão doendo. Já não sou mais para vocês o herói que antes quis parecer, sou simplesmente um homenzinho desprezível, um chenapan*..."

*Chenapan - Patife, desordeiro, vagabundo. (do Francês)

-Fiódor Dostoiévski

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Poema Confissão de Charles Bukowski

Confissão

À espera da morte
como um gato
que saltará sobre a
cama

Sinto terrivelmente por
minha esposa

Ela verá este 
corpo
duro e 
branco

Vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:

"Hank!"

Hank não
responderá.

Não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.

Quero
no entando
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado

Que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas

E que as palavras
difíceis
que sempre temi 
dizer
podem agora ser
ditas:

Eu te
amo.

Por Charles Bukowski

segunda-feira, 6 de junho de 2016

O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Charles Bukowski

Poema de Katarine Bispo

Minhas unhas são os pincéis, suas costas a tela,
nosso suor a tinta aquarela.
Você goza em minha boca,
eu engulo,
pois não se cospe poesia.
O som do que se sente além do corpo,
o gemido, o grito e por fim o sorriso,
sarcástico.
Eu me cuspi em você e você me tragou como um fumante neurótico.
Eu psicopata e você psicótico,
desafiamos as leis da física, ocupamos o mesmo espaço.
Se minha pele se esbarra na sua,
mesmo que de leve e sente o choque que ela é,
eu não sou capaz de pensar em mais nada.
Meu corpo é seu e o nosso sexo é arte abstrata.



Por Katarine Bispo