quarta-feira, 30 de março de 2016

Charles Bukowski - Passaro azul


O pássaro azul

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo, fica aí, não vou
deixar ninguém te
ver
há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu meto uísque nele e dou um 
trago no meu cigarro
e as putas e os garçons
e os balconistas dos mercados
nunca percebem que
ele está
aqui dentro

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou duro demais pra ele
eu digo, 
fica quieto, você quer zoar
comigo?
quer ferrar com meu
trabalho?
quer acabar com a venda dos meus livros na
Europa?

há um pássaro azul no meu peito que
quer sair
mas eu sou esperto demais, só o deixo sair
à noite, às vezes
enquanto todo mundo está dormindo
eu digo, eu sei que você está aí
não fique
chateado
então o ponho de volta
mas ele canta um pouco
aqui dentro, não o deixei realmente
morrer
e dormimos juntos 
assim
no nosso
pacto secreto
e isso é o bastante pra
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, você
chora?
Por Charles Bukowski

segunda-feira, 28 de março de 2016

Charles Bukowski


Pôs-se de pé e logo se deu conta de que olhava para as paredes. Paredes de um cinza curioso, cobertas por um suor frio, grossas - submetidas a seu próprio drama - e tão velhas... Velhas. Envelhecendo como as mulheres... Do mesmo modo como elas envelhecem. Triste, realmente triste. Você viu os jovens andando todos aprumados e altivos.. e você odiou o orgulho que ostentavam, porque não havia lugar para o orgulho entre coisas mecânicas e momentâneas. O orgulho só podia pertencer àqueles que criaram novas formas, aos que venceram... Ele sorriu outra vez e permaneceu olhando para as paredes. Pareciam agradáveis e cheias de significado, e ele tocou com um dos dedos a borda áspera, cinzenta e molhada.

Por Charles Bukowski no livro Pedaços de um caderno manchado de vinho.

quinta-feira, 24 de março de 2016

Walber Dias - Não era ressaca

Não era ressaca

Vou ao trabalho
todos os dias
hoje,
em especial (era o ultimo)

me sinto mal,
não era
ressaca

nunca foi

pode ser ela,
a
morte,
veio me buscar.
estou de malas prontas.

era só uma virose.

continuo vivo.
mas amanha,
já não mais estarei,

no trabalho.
Por Walber Dias

terça-feira, 22 de março de 2016

Charles Bukowski - Camas, banheiros, você e eu...

Camas, banheiros, você e eu...

pensando nas camas
usadas e reutilizadas
para trepar
para morrer.

nesta terra
alguns de nós trepam mais do que
nós morremos
mas a maioria de nós morre
melhor do que
trepamos,
e morremos
bocado a bocado também -
em parques
tomando sorvete, ou
nos iglus
da demência,
ou em esteiras de palha
ou sobre amores
desembarcados
ou
ou.

:camas, camas, camas
:banheiros, banheiros, banheiros

o sistema de esgoto humano
é a maior invenção do
mundo.

e você me inventou
e eu inventei você
e é por isso que nós não
damos
mais certo
nesta cama.
você era a maior invenção
do mundo
até que resolveu
me mandar descarga
abaixo.

agora é sua vez
de esperar que alguém aperte
o botão.
alguém fará isso
com você,
puta,
e se eles não fizerem
você fará -
misturada ao seu próprio
adeus
verde ou amarelo ou branco
ou azul
ou lavanda.

-Charles Bukowski

segunda-feira, 21 de março de 2016

Fiódor Dostoiéviski

A questão toda, a minha maior canalhice, se resumia a que todo momento, até o instante do ódio mais intenso, eu percebia, envergonhado, que não só não era mau, como não era nem mesmo uma pessoa enfurecida, apenas assustava pardais sem nenhum propósito e com isso me divertia. Minha boca espumava, mas se me trouxessem um brinquedinho ou um chazinho com açúcar, na certa eu me acalmaria. Ficaria até enternecido, embora depois, provavelmente, passaria alguns meses com insonia. Esse é o meu jeito de ser.

- Fiódor Dostoiéviski no livro Notas do Subsolo

sábado, 19 de março de 2016

Charles Bukowski


O segredo era manter quatro paredes ao redor da gente. Dentro de quatro paredes, tinha-se uma chance. Uma vez que se está na rua, já não há chance alguma, está tudo perdido, tudo realmente perdido. Por que roubar algo se não se pode cozinhar seja lá o que for? Como vai trepar com alguém morando no beco? Como se pode transar com todo aquele ronco dos albergues municipais? E como resistir quando seus sapatos são roubados? E o fedor? E a loucura? Não dá nem para tocar uma punheta. Você precisa de quatro paredes. Dê a um homem quatro paredes por tempo suficiente e é possível que ele consiga se tornar o dono do mundo.


-Charles Bukowski no livro Ao Sul de Lugar Nenhum.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Christian Vargas

Quando eu digo que me apaixonei
por você aos poucos
foi por que cada dia
eu me encantava com...

um pouco do seu sorriso
um pouco do seu olhar
um pouco do seu andar
um pouco do seu toque
um pouco do seu cheiro
um pouco do seu ser

e juntando tudo...
Você é muito pra mim!

Por Christian Vargas (Poesia Diária)

quinta-feira, 17 de março de 2016

Paulo Leminski - Bem no fundo

Bem no fundo
No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
Por Paulo Leminski
Charles Bukowski no livro Fabulário Geral do Delírio Cotidiano (Ereções, ejaculações e exibicionismos - parte ||)

terça-feira, 15 de março de 2016

Walber Dias - 22:01 da noite

22:01 da noite


Ela me abandonou
Me deixou só, na estação de trem.

São 22:00 da noite.
Ela se foi
Não quis nem mesmo se sentar ao meu lado.

São 22:01 da noite.
Ela não é como nos tempos de ouro.
Eu mudei também.

Três anos atras estaríamos nos beijando.
As 22;05 da noite,
Nesta mesma estação de trem.

Ela não vai voltar.
Elas nunca voltam.


Por Walber Dias.

domingo, 13 de março de 2016

Charles Bukowski

De algum modo, me perdi, os olhos grudados nas pernas dela. Sempre fui de perna. Foi a primeira coisa que vi quando nasci. Mas então eu tentava sair. A partir daí, tenho me virado no sentido contrario, e com um azar dos diabos.

Charles Bukowski no livro Pulp